Um roteiro para conhecer os frescos sabores do Beaujolais Nouveau
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Dos arredores da capital gastronômica da França vem o Beaujolais Nouveau, vinho mais festejado desta época do ano
Por Nathalia Hein
Se comparado com os vinhos mais incensados da França — aqueles que envelhecem por muito tempo, ocupam terroirs específicos e, quase sempre, são consumidos em datas especiais —, o Beaujolais Nouveau é quase uma brincadeira. E que brincadeira! Jovial, de sabor ensolarado e frutado, esse tipo de vinho (que se toma gelado), antigamente compartilhado apenas entre os produtores como um refresco pouco alcoólico, vem de uma região que fica ao norte de Lyon e encosta na Borgonha.
O Beaujolais Nouveau é um vinho tinto produzido a partir de uvas Gamay – resultado do cruzamento da Pinot Noir com a Gouais Blanc –, de amadurecimento precoce, também destaque em outras denominações francesas, como Coteaux Bourguignon, Mâconnais e Crémant de Bourgogne. E outra característica importante: precisa ser consumido quase imediatamente após a colheita das uvas.
Por esse motivo, ficou estabelecido que todo ano, na terceira quinta-feira do mês de novembro, a partir da meia-noite e um minuto (à l’heure!), cada nova safra é liberada ao mercado. O momento, como é fácil imaginar, é muito aguardado. Há festas por toda parte na França, as maiores nas cidades de Lyon e Beaujeu, no coração da área produtora e, na certeza de que é preciso ingeri-lo rapidamente, os consumidores não se fazem de rogados: cerca de 25 milhões de garrafas são instantaneamente espalhadas mundo afora.
Consta que apesar de seu teor alcoólico ser menor do que o de vinhos tradicionais, não há como evitar surtos de embriaguez, atribuídos à facilidade de ingestão e à leveza do vinho. Não é de admirar o fato de que os mais conservadores torcem o nariz para o Beaujolais Nouveau, que consideram “fácil demais”. Mas o mundo, em geral, dá de ombros a esse raciocínio: esse tinto despretensioso e já icônico prova, ano a ano, o vigor de sua atração. Nos últimos 12 anos, as vendas cresceram fabulosos 64%.
Outro fato surpreendente: a região do Beaujolais está listada entre os dez destinos enoturísticos de 2019 indicados pela revista norte-americana Wine Enthusiast, situação impensável anos atrás, quando o vinho sofria com erros de produção.
O pior ano na história desse vinho jovem e fresco foi 2001, quando 1 milhão de garrafas tiveram que ser destruídas devido a questões de sabor e aroma. Em julho de 2002, o francês François Mauss, um crítico renomado (e, claro, conservador), chegou a chamar, em uma entrevista à revista mensal Lyon Mag, o Beaujolais Nouveau daquele ano de “vin de merde”. Sua colocação deselegante, no entanto, seria desmentida pelo futuro, sem contar a indenização no valor de 284.143 euros em danos que a publicação foi condenada a pagar, em 2003, a 56 sindicatos de viticultores da região.
De fato, depois daquele ataque, as vinícolas do Beaujolais passaram a aperfeiçoar suas técnicas e puseram seu jovem, um dia procrastinado, entre os queridinhos do mercado. E não foi apenas o Beaujolais Nouveau que ganhou outro padrão. Há outros tipos de vinho locais considerados de categoria superior. Enquanto as plantações do Nouveau ocupam pouco mais de 1/3 da região produtora, outras vinícolas se dedicam a desenvolver o Beaujolais AOC, o Beaujolais-Villages AOC e o Beaujolais Cru — este último considerado a mais elevada categoria do vinho. Nesse caso, você nem vai encontrar o nome Beaujolais nas garrafas. No lugar, constará o nome da denominação onde foi produzido, como a Brouilly AOC, por exemplo.
Existem, aliás, muitos mapas com as áreas de denominação controlada, disponíveis na internet. O que, curiosamente, vê-se menos são as encantadoras rotas rodoviárias e as dicas para visitar a região.
É fundamental saber que o Beaujolais é, sem dúvida, a área vitivinícola mais próxima de um grande centro urbano na França: fica há menos de meia hora de carro de Lyon, considerada a capital gastronômica dos gauleses. É um lugar pontuado por caminhos estreitos, colinas e riachos que remetem a filmes românticos. De algumas de suas áreas é possível ver, ao longe, os grandes picos alpinos, inclusive o Mont Blanc, avistado desde o alto do Mont Brouilly.
Beber, comer
Ao chegar a Beaujolais, é latente a inspiração para participar de uma degustação. Na Domaine Chasselay, fundada em 1464 e há 14 gerações na mesma família, experimente o vinho leve que tem o estranho nome de “Beaujolais não está morto”. Os chamados vinhos mais sérios, como o Côte de Brouilly, o L’Héronde e o Morgon também são servidos.
Já o Château du Moulin-à-vent é uma casa grande com espaço para degustação e vistas próximas do moinho de vento do outro lado do Rio Saône. A área tem diversos restaurantes convidativos. Na vila de Fleurie, o Auberge du Cep é um dos melhores. Outro Auberge, du Col de Truges, em Villié Morgon, é excelente em gastronomia e panorama.
Em Ville-sur-Jarnioux, o Auberge de la Place tem cozinha internacional e, quando o tempo permite, mesas dispostas na rua. Outra opção maravilhosa é o Josephine à Table. Além dos preços muito convidativos, tem rolhas em todas as partes (para lembrar que você está em um território vinícola) e — surpresa ! — oferece aulas de… ioga!
No La Terasse du Beaujolais, a vista, para variar, é esplêndida. Fica a 760 metros de altitude. E a comida não é menos arrebatadora. E fica a dica: o prato mais pedido é o Coq au Beaujolais (galinha preparada com o vinho da região).
Ficar, dormir
O Auberge du Paradis, em Saint-Amour-Bellevue, tem apartamentos modernos e ótima cozinha. Outro ótimo lugar para se hospedar é o Hôtel les Marittones Parc & Vignoble, com apenas três estrelas, e surpreendentemente localizado em um parque e com um restaurante reputado. Alugar um carro é uma boa pedida para parar onde quiser – desde que bebendo com muita moderação. Mas contratar passeios nos hotéis e escritórios de turismo locais é uma opção que, além de mais segura, permite que você percorra, ao longo de 140 km, Rota do Vinho de Beaujolais com mais disposição para aproveitar ao máximo a vista e as degustações. Mas faça isso logo, antes que o mundo descubra esse paraíso vitivinícola praticamente inexplorado.