As diferenças entre vinho meio seco e vinho doce
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A confusão é recorrente – e não é para menos. Saiba por que você não deve desprezar essa classificação, comumente aplicada a excelentes vinhos
Você compra um vinho fino (ou seja, produzido com uvas viníferas) e, ao recebê-lo e ler o rótulo mais detalhadamente, descobre que adquiriu um exemplar meio seco. Então surgem a indignação e o arrependimento por não ter lido a informação antes da aquisição – afinal, você não gosta de bebidas doces. Mas, calma! Nada de tirar conclusões precipitadas, acreditando que um vinho meio seco é necessariamente doce. Porque a história não é bem assim. Ou melhor, não é nada assim.
Para entender a origem desse mal-entendido recorrente, vamos recordar o ano de 1988, quando foi estabelecida a lei que regulamenta a produção de vinhos no Brasil. Por 15 anos, ela não provocou dúvidas com relação à classificação. Bom, pelo menos não gerava tanta confusão. Foi assim até 2014, quando essa lei sofreu um acréscimo que mudou consideravelmente os critérios do consumidor ao escolher um rótulo.
De acordo com o decreto, em vigor até hoje, um vinho só pode ser considerado seco se apresentar uma concentração menor do que 4 gramas de glicose por litro. Agora, veja que curioso: exemplares que apresentam quantidade de açúcar a partir de 4,1 g/l* até 25 g/l – perceba a enorme margem de diferença entre a mínima e a máxima quantidade de açúcar – passaram a ser classificados como meio secos (também chamados de demi-sec ou meio doces). Já acima de
25 g/l, os vinhos são rotulados como doces ou suaves – e daí pra frente o céu é o limite. A escala não regulamenta espumantes, que são classificados de acordo com outros critérios.
Considerando essas especificações, você consegue imaginar que no Brasil um vinho próximo a 4,1 g/l, que poderá parecer seco no paladar, é rotulado com a mesma classificação de outro, com 25 g/l, nitidamente adocicado? Obviamente estamos mencionando produtos bem diferentes, e é bem provável que um deles tenha sido produzido com uvas viníferas, a partir do açúcar da própria fruta, e outro, elaborado com uvas de mesa e adição de açúcar de cana.
Vale lembrar que a percepção de dulçor no paladar não depende somente da concentração de açúcar no vinho, mas também de características como o nível de acidez, por exemplo. Quanto mais ácido o vinho, menor será a percepção do dulçor no nosso paladar. É outra evidência de que a quantidade de açúcar, por si só, não define o sabor de um exemplar.
Outra questão crucial: a nova legislação vale também para classificar vinhos importados que serão comercializados no Brasil. Isso tornou obrigatória a aplicação de um contrarrótulo nas garrafas de vinhos estrangeiros para adequá-los ao nosso mercado. Sendo assim, não é raro um vinho classificado como seco em seu país de origem passar a ser considerado, no Brasil, meio seco.
Essa nomenclatura gera situações curiosas. Imagine a ironia: o Amarone della Valpolicella, clássico tinto italiano apreciado no mundo inteiro, teve seu nome inspirado em seu característico e sutil toque amargo (amaro, em italiano). Pois aqui no Brasil, consumidores que eventualmente ainda não conheçam a relevância de um Amarone podem preterir esse rótulo por ser considerado meio seco. Um tremendo engano, que pode ser evitado por quem já conhece as regras do jogo. Ou melhor, sabe os critérios de classificação de acordo com a lei brasileira.
*gramas por litro.